Estes Dias | 4
julho 07, 2020— Ó vizinha, você não ouviu a barulheira?
— Ouvi e não percebi o que se passou — respondeu Alzira.
— Você sabe que o meu Alfredo tem andado fora dele, não sabe?
— Não, não sei. Não sei nada da vida de ninguém. Gosto pouco de me meter nesses assuntos.
— Mas devia. É bom a vizinhança ir sabendo o que se passa, para o caso de ser preciso ajudar alguém.
Alzira perdia rapidamente a pouca paciência que ainda lhe restava. Odiava invasões, não abria a porta a ninguém que não partilhasse consigo o sangue e não se imaginava a mudar agora a sua maneira de estar. Suspirou pesadamente e pediu a Esperança que se explicasse. Quanto mais depressa a mulher se pusesse dali para fora, melhor.
— O meu Alfredo… bem, deu em pensar que me pode agora chegar a roupa ao pêlo. Nunca me bateu, quarenta e tal anos de casados e nunca me tocou com um dedo sequer. Agora meteu na cabeça que ando de caso com o carteiro e não se passa um dia que não me bata.
— Não é a mim que tem de dizer isso. É à polícia.
— Ai, e acha que eles querem saber? Sou só uma velha. Mais uma, menos uma, que diferença lhes faz?
— Quem não a pode ajudar de certeza absoluta sou eu — frisou Alzira.
— Ah isso é que pode. Fico aqui um dia ou dois, para ver se ele se acalma. Não precisa de se preocupar comigo, eu ajeito-me ali no sofá ou assim. Nem é preciso andar a fazer camas de lavado. Quer dizer, as minhas costas já não estão para estas coisas, mas pode ser que eu me aguente.
— Um dia ou dois? Aqui? Desculpe, mas nem pensar.
— Não pode recusar-se a ajudar-me. Já viu se ele me mata?
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