Estes Dias | 7
setembro 02, 2020— Então estamos aqui presas, é isso? — perguntou Esperança, enquanto desfazia o seu papo-seco em migalhas irritantes.
— Estamos, não. Estou eu, que moro aqui. Você vai para a sua casa assim que acabar de comer.
— Não posso. Não viu o que dizia nas notícias? Temos todos de ficar onde estamos. Não posso ir-me embora.
— Pode. É atravessar um patamar, nem dez passos precisa de dar. Depois tranque-se em casa e fique lá até isto passar.
— Olhe, era um descanso.
— Mas não pode ser, mandaram-nos estar quietos. Nunca infringi a lei, não vai ser agora que vou começar.
Esperança não disse mais nada, limitou-se a comer com gosto aquela carcaça fresca. Não fazia tenções de se mexer um milímetro sequer. Parecia que afinal alguém lá em cima tinha ouvido as suas preces e lhe tinha dado a escapatória perfeita. Não sabia quanto tempo esta história de prisão domiciliária duraria, mas, por ela, podia bem durar até o marido morrer. Alzira deu por si a pensar se não seria melhor apanhar o vírus do que ter de aturar a outra um dia que fosse.
1 comentários
Adorei esta história :) Muito actual sem dúvida :)
ResponderEliminarObrigada!